sexta-feira, 10 de abril de 2009

Caos

Serpenteio naturalmente por entre o caos que me rodeia. Nem reparo. Já não o estranho, já não me incomoda. Acho, aliás, que aprendi a gostar dele...

Gosto do som dos jornais que se rasgam sob os meus pés, da visão dos livros que se amontoam em massas disformes de nada. Gosto de tropeçar em CDs e afastar com as mãos a roupa interior pendurada no candeeiro. Gosto.

Todos os dias descubro algo novo. Ontem foi aquele álbum de fotografias em que eu, de enorme bigode e calças à boca-de-sino em padrão xadrez, parecia querer dominar o mundo. Que ridículo que eu era. E tu? Com aquele cabelo armado, dentes tortos e óculos de fundo de garrafa? Já quase não te recordava, pré-metamorfose.

Meu Deus... lembro-me vagamente dos dias em que ainda havia lugar para me sentar no sofá. O espaço foi agora gentilmente cedido a hordas de revistas amareladas pelo sol, que convivem alegremente com pratos e copos sujos, toalhas, lençóis, sapatos rotos e até a minha velha máquina de escrever. Estou bem melhor assim. Era tão desconfortável, o sofá.

Esta é a parte complicada. Especialmente de noite, como agora. A lâmpada fundida, que jurei substituir há dois anos, nega-me a visão e é com frequência que derrubo, com grande estrondo, as recordações que aqui amontoo. Por muito cuidado que tenha, há sempre um vaso morto que cai e espalha a sua terra pela alcatifa bolorenta. Invariavelmente, como de costume, não me apetece limpar. "Talvez amanhã" - penso. Recordo-me de ter pensado isto ontem.

O quarto parece um cenário de guerra. A roupa suja esconde os defeitos do chão, que agora só se imagina. Os pedaços despidos, por entre os papéis amarrotados e as camisas usadas, são as trincheiras onde me escondo. As latas vazias de Coca-Cola, as minhas armas de arremesso.

A um canto, imaculada, impecavelmente limpa, a minha cama, o meu quartel-general. Em cima da mesinha de cabeceira, aquele livro, filho do caos, em que ontem tropecei e há muito sonhava ler.

Sim, definitivamente... gosto!

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