terça-feira, 30 de junho de 2009

CONTRAMÃO: Capítulo I

Acordo com uma gota de suor que me arde nos olhos ainda fechados. Sinto já o calor insuportável que não me deixa respirar e não me devia ter deixado dormir. Os martelos pneumáticos na minha cabeça e o hálito a whisky aconselham-me a manter os olhos fechados. Diz-me a experiência que, por vezes, o despertar que se inicia não é forçosamente a continuação do sonho que se acaba.

Abro lentamente os olhos para apenas me deixar cegar pela claridade que invade o quarto. Assim que os meus olhos se adaptam à luz, começo a olhar em volta. Conforme invariavelmente acontece, o meu olhar foge para o vulto deitado a meu lado. “Nada mal”, penso, “Ontem devo ter bebido menos que o costume”.

O corpo, despojado de roupas e de toda a decência, convida-me à continuação de algo que não me recordo de ter iniciado. A orquestra na minha cabeça recusa amavelmente o convite. Não me consigo recordar do seu nome. Confesso, aliás, que nem me interessa. Os nomes são prisões. E eu não gosto de me sentir preso. Já gostei.

O quarto, que reconheço não ser o meu, em nada me é familiar. Talvez, apenas, no calor abafado que me sufoca e na minha roupa espalhada pelo chão. Ainda assim “podia ter sido bem pior”, penso. Recolho parte da roupa que encontro e começo a vestir-me. Os boxers e a outra meia vão ficar de recordação.

Olho-me demoradamente ao espelho. Não porque me admire, mas porque tudo se me abranda ao acordar. Com um metro e oitenta, olhos claros e tez morena, podia até ser considerado bonito, não foram as cicatrizes que me enfeitam o rosto e as marcas indeléveis de cinquenta anos vividos em pouco mais de trinta. O porte, esse, que os incautos crêem de ginásio, é resultado de seis longos anos na construção civil.
Visto-me ao ritmo do despertar, demoradamente.

Não me despeço de ti. Não saberia o que te dizer. Não saberia mentir-te e duvido que gostasses de ouvir a verdade de um “Até sempre. Foste um bom prazer descartável!”. Não tenho, aliás, sequer a certeza que o tenhas sido.

Saio e fecho a porta atrás de mim sem sequer olhar para trás. Aprendi a não olhar para trás. À minha frente, a porta que me leva a uma rua que, mais uma vez, desconheço. Olho em volta à procura do meu carro, que não encontro em lado algum. Talvez seja melhor assim. Conduzir sem carta e sem seguro pode ser perigoso.

Penso em chamar um Táxi ao mesmo tempo que ouço a inconfundível melodia do meu telemóvel. “Verão Azul... tenho que mudar isto!”. São 16:22h e o número desconhecido não dá sinais de querer desistir. Atendo:
- Boa tarde, fala Xavier – digo.
O silêncio que se seguiu fez-me pensar que devia ter carregado o telemóvel...

CONTRAMÃO: Prefácio

'Contramão' não é um livro, 'Contramão' não é uma história, 'Contramão' não é um conto.
É, se de alguma forma pode ser definido, uma vulgar aproximação a um mini-conto de livre distribuição. No limite e, em última análise, um esforço desesperado do seu autor em deixar a sua marca na blogosfera. Pensando bem, talvez não seja sequer isto. É, ponto.

O enredo, demasiado simples para ser explicado, demasiado complexo para ser colocado em palavras, está ainda por definir. É uma história viva, em permanente evolução. Certo, porém, terá pelo menos um personagem. Certo, espero, terá um início. Tudo o resto ostenta, orgulhosamente, o estandarte da incerteza.

O título não nasce de uma ideia brilhante, mas sim de uma brilhante ausência de ideias. É, na sua forma mais pura, fruto do acaso. A sua ligação com o enredo, ainda por definir, espera-se venha a ser conseguida. A não o ser, também não se perde nada. É 'Contramão', podia ter sido outro desastre qualquer.

Os capítulos serão publicados pela mais rigorosa ordem numérica e cronológica. E mais não posso adiantar. Não almejo a presunção de vos dizer “Espero que gostem”. Nem sequer me atrevo a sugerir que o leiam. Digo-vos apenas e, em boa verdade:
“Leiam-no, única e exclusivamente... se não tiverem nada melhor para fazer!”

Miguel Lourenço.

terça-feira, 23 de junho de 2009

PAI

Faz hoje dezanove anos que te perdi. Conto hoje dezanove anos em que vivo sem parte de mim.

Vives, ainda, na minha memória. Marcas, ainda, pelo teu exemplo. Guio-me, ainda, pelos teus passos.
A tua mão forte continua a amparar-me as quedas e os teus ensinamentos são ainda presentes no meu dia-a-dia. É ainda o teu conselho que imagino quando tomo uma decisão complicada. São teus os valores que procuro passar ao meu filho.

As palavras que deixei por dizer e as outras que nunca ouvi marcam, a par com os abraços que não mais te darei, o ritmo de uma permanente saudade.
Sei-te longe. Quero-te perto.

E esperam que acredite em Deus???
Acredito-me em ti, PAI.
Vivo por ti!
Sou-te!

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Be Still

Be still oh night that awakens my dreams,
Be still oh night that summons my ghosts.
Be still oh deamon and veil for my sleep,
Be still oh angel and guard me 'till day.

Be still oh night, my night.
For thee are a restless beast,
For I am a troubled soul.

domingo, 21 de junho de 2009

Verão

Sopra agora uma brisa fresca e o sol que me queimou a pele teima em já não me aquecer.
Aos poucos, sem que eu notasse, a praia ficou deserta.

Sozinho, ouço o canto do mar que me chama para ti e o silêncio da areia que me convida a ficar. Levanto-me e pego no casaco que desejava ter trazido. Fez-se uma noite fria.

Caminho em direcção às fogueiras que descortino no horizonte. Mais perto, ouço já as vozes desafinadas de um grupo de adolescentes que, ao ritmo do crepitar da fogueira, tentam disfarçar o real motivo que os trouxe ali. Evito-os.

Um pouco mais à frente, um casal troca longos beijos enamorados e joga Tetris com o corpo. Nem dão pela minha presença. Penso na areia e sorrio.

Continuo, até encontrar o meu espaço, um pedaço de praia só meu.
Será aqui? Parece-me que sim, penso, antes de me sobressaltar com o ladrar de um cão de água que corre, alegremente, à frente dos donos.
Parece-me que não. Desisto. Vou para casa.

Chegou o Verão, praias cheias, filas intermináveis, pic-nics e condutores de Domingo.

Chegou o Verão... quando volta o meu Inverno?

sábado, 20 de junho de 2009

Rótulos

Dispo-me dos rótulos com que me vestiste e caminho de encontro a mim. Sorrio-me, de longe. Quase não me reconheço. Ainda bem.

A noite serve-se agora numa bandeja, por entre os Martinis e as azeitonas. Um doce cheiro a jasmim recorda-me que me esqueci de algo. Talvez mais um gole me avive a memória. Ou talvez não, que interessa?

Observo, nada discretamente, o jogo de sombras que pintam agora as paredes, onde os graffitis se escondem. O cheiro a erva queimada invade-me as narinas e disputa a minha atenção com as solicitações que escuto em pano de fundo, não tão fundo quanto gostaria: "Quanto levas?"
O que me recorda: tenho que mudar de casa. A ver se amanhã me lembro...

Umas horas mais tarde e os sons parecem apagar-se, ali, naquela esquina, mesmo junto ao passeio. O vazio é agora preenchido pelo riso das crianças, atravancado pelo choro dos pais. Irrita-me sempre esta hora, em que o sol teima em ofuscar-me. Ainda sem te conseguir ver, ouço já os teus passos decididos, que se aproximam.

"Outra vez à janela? Que mania... és cá um coscuvilheiro!" - dizes-me.
Levanto-me e sorrio-te. Aproximo-me para te beijar.
E beijo-te, precisamente ao mesmo tempo que te cravo a faca da cozinha em cheio no abdómen.

Eu avisei-te que não gostava de rótulos!
Agora, por favor, sai-me da frente da janela...

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Estupidez

Pergunta do dia: "Até que ponto vai a tua estupidez?"
Resposta: FUBAR... just like me...

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Tempo

O tempo mede-se pelos momentos em que a eternidade se resume a um segundo...

Espelho

Recordo-me vagamente de ver o meu reflexo no espelho, antes de o dia se apagar.

Recordo-me dos contornos difusos do meu rosto, distorcidos pela luz que me ilumina as costas. Recordo, de olhar turvo, como o pensamento se lhe seguiu e a noite se desmultiplicou em explicações inverosímeis e desculpas desnecessárias. Era tarde. Bastava.

Recordo, na crueldade implacável do espelho, de ver o tempo mirrar em mim e um nada gigantesco a crescer, na imagem estranha de um reflexo que não distingo. Recordo ainda a sombra das mãos que me acariciam o cabelo e o eco das palavras que me embalam em surdina. Recordo-te vagamente.

Quero responder-te, mas o teu reflexo foge e vai ganhando vida, à medida que os meus olhos se fecham em redor do meu silêncio. Ainda não é hoje que te respondo. Ainda não é hoje que o cansaço se dá por vencido. Hoje, simplesmente, adormeço.

Espero, amanhã, ver no meu o teu reflexo...

Irritação

Irrita-me esta irritação que me irrita o ser.

Irritam-me os sorrisos falsos, as falinhas mansas e os olhares de soslaio. Irritam-me os comentários pelas costas, as frases veladas e as meias palavras. Irritam-me as faltas de educação, as faltas ao respeito e até as faltas de humor.

Irrita-me andar irritado!

E irritas-me quando consegues, mesmo à distância, com uma palavra, um sorriso, sem avisar... arruinar a minha doce irritação.