quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Cacos

Tenho que te deixar cair.

Que te partas em mil pedaços, minúsculos, ínfimos, microscópicos, que não me possibilitem sequer sonhar reconstruir-te. Que te desfaças em cacos que não vou recolher, mas varrer, aspirar, calcar e chutar aos quatro cantos deste mundo que dizem arredondado.

Que te esfumes em pó, não de arroz, tudo menos doce, mas pó bafiento e bolorento, sujo pela ausência de memórias e agastado pelo tempo que em ti se consome, lentamente. Que me caias, no vazio de um qualquer poço escuro, para que os meus olhos não mais sofram à tua vista, para que a tua imagem tosca e mal amanhada não mais me impeça de ver as manchas de humidade na parede da sala.

Que te esqueça, mal o teu peso me liberte a mão e ainda antes de tocares o chão. Da garagem. Melhor, do pátio. Para que te leve o vento e te lave a chuva e te lamba o cão da vizinha da frente. Que te leve em pequenos pedaços e te enterre, entre ossos e carne decomposta, entre velhos sapatos e fotos rasgadas, ali, à esquerda do sobreiro onde outrora descansava o meu avô.

Que te perca. Bem perdida, escondida, camuflada, invisível, para não mais tropeçar em ti. Que te ofereças, que te levem, que pague a alguém para me livrar de ti. Que te leve a Dª Ofélia, junto com as garrafas, os papéis rasgados, as latas de atum vazias e as cascas de amendoim, numa qualquer 4ª Feira do mês. Amanhã!

Sim, tenho mesmo que te deixar cair.
Não tolero mais olhar para ti...

Que horrenda boneca de porcelana!!
Honestamente, já nem me lembro quem me terá dado esta merda?!?
Para o ano, juro, não vou ao jantar de Natal...